Fábulas

A DONINHA ENFARINHADA

     A Doninha do moinho andava triste porque se sentia envelhecer e sem a agilidade  de outros tempos para correr atrás dos velozes ratinhos, alguns dos quais chegavam mesmo a ter o atrevimento de troçar dela. 
     Após muito pensar, resolveu que, de futuro, só iria à caça...depois de meter-se num saco de farinha e, desse jeito, enfarinhada, deixar-se-ia ficar muito quieta até que qualquer rato lhe passasse mesmo ao pé.Tal táctica resultou perfeitamente e a doninha, disfarçada, voltou a ser o terror dos ratos do velho moinho.
     Mas a doninha, não se limitou a solucionar o seu problema de sobrevivência, quis mais: certificar-se que ainda era capaz de abater ratazanas. Porém, quando viu uma delas caminhar para o sítio onde se encontrava a ninhada, ficou tão nervosa que quanto mais ela se aproximava mais fortemente ouvia bater as pancadas do seu coração.
     De repente, a ratazana parou, cheirou e, em seguida, desviando-se a correr do trajecto que levava, gritou:
- Tu, farinha? A mim não me enganas tu!...




A MELGA E O PIRILAMPO

     Um belo dia a melga resolveu elogiar-se e depreciar o pirilampo. Escutemos a conversa havida entre eles:
A Melga - Penso não existir no mundo criatura mais útil e mais audaz do que eu. Com as minhas picadelas procuro exercitar o homem na nobre virtude da paciência e libertá-lo da inércia e monotonia. De resto, à semelhança de um valente guerreiro, anuncio as minhas heróicas investidas através da trombeta com que a natureza me dotou. Já tu, pobre pirilampo, não serves para nada.
O Pirilampo - Tudo o que fazes não é a pensar nos outros, mas apenas em ti. Ao picares os homens e as crianças, sugas-lhes o sangue para te alimentares. E se tocas a trombeta foi porque a natureza quis que, contra a tua própria vontade, denunciasses a tua presença criminosa. Eu procuro iluminar o caminho na escuridão da noite. Sei que a luz é pequena, embora a minha intenção seja boa, mas só o homem nos poderá julgar. 



A FLAUTA DE PRATA E O ROUXINOL

     Esta história, como tantas outras, passou-se à muitos, muitos anos, num tempo em que os animais e as coisas também falavam. Ou será que ainda falam?...
    Estava um Rouxinol a cantar alegremente em cima de uma frondosa árvore, quando foi interrompido pelo riso estridente de uma flauta de prata.
     De que te ris? - perguntou o Rouxinol.
      - Do teu descaramento em emitires tais guinchos na minha presença.
      - Quem és tu para não gostares da minha melodia?
      - Eu sou uma flauta de prata e de mim saem os mais maviosos sons. Só não me conhecem os campónios como tu. E tu quem és?
      - Apenas uma ave que gosta de cantar. Mas serei todo ouvidos para te escutar.
      - Ousas pedir-me para eu cantar para ti? Eu só canto para prazer de Reis e de Nobres.
   - Pois eu canto para toda a gente, e para alegrar os campos. Porém, estou cheio de curiosidade em ouvir esses sons maviosos de que falas.
      - Será que nem sequer compreendes que tal não é possível?
      - Como assim?
      - Não vês que não está aqui o flautista para me soprar?
      - Nesse caso, bem hajam os rouxinóis e os demais pássaros que cantam sempre que desejam e que compõem e que dão vida às suas próprias melodias. Tu, pelo contrário, és como aqueles que nada valem se não for  a intervenção dos outros, que não se movem se não lhes dão as mãos, que não cantam se lhes não assopram e não sobem se não as empurram...

  

O CÃO E O LOBO

     Um Lobo esfomeado, vendo um cão gordo a comer à porta de uma quinta, dirigiu-lhe a palavra:
     - Como explicas que, sendo eu mais forte e valente, é a ti que não falta a comida?
     - É simples: Eu guardo o meu dono e esta quinta, e ele dá-me de comer todos os dias. Se queres cá ficar, eu peço-lhes. 
     O lobo já ia agradecer a ideia quando reparou na coleira que o cão tinha à volta do pescoço. Então perguntou-lhe para que servia ela, e, tendo o cão respondido que era para o dono o prender à corrente, despediu-se dizendo:
     - Obrigado, amigo, mas prefiro estar magro e ter toda a liberdade. 



A CORUJA E A CIGARRA 

     A coruja olhos grandes, tal como a maior parte das corujas, só de noite procurava comida para si e para os filhos, pois de dia não conseguia suportar a luz do sol. Sucedeu, porém,  que a cigarra Banzé resolveu instalar-se mesmo em frente ao seu abrigo e cantar todo o dia, precisamente quando a coruja precisava de dormir. Então a coruja, não podendo suportar mais os cantos agudos e monótonos da Banzé, decidiu falar-lhe muito delicadamente: 
     - O Doutro Mocho aconselhou-me a dormir oito horas seguidas. Por isso, embora aprecie imenso o canto da vizinha, peço-lhe que não cante, ou cante longe daqui.
     A cigarra prometeu que não cantava mais, mas o certo é que continuou a cantar todo o dia, impedindo a coruja de dormir. Então, Olhos Grandes dirigiu-se, de novo, à cigarra, explicou-lhe que o Doutor Mocho lhe dera um xarope, mais doce do que o mel, e que já não precisava de dormir e, finalmente, convidou-a a provar o seu delicioso medicamento. 
     A cigarra aceitou logo o convite, foi ao abrigo da coruja e, a partir desse momento, nunca mais cantou, porque perdeu o pio...

O PAPAGAIO E A GALINHA

     Um papagaio que palrava o dia inteiro, ao ver uma galinha a comer alguns grãos de milho, disse-lhe com ar superior:

- P'ra que serve tua vida, 
Ó galinha de uma figa?
Vê que quem te dá comida
 Quer encher sua barriga!

És uma mártir do Homem,
Presa em sua capoeira:
Se viva, teus ovos comem,
Se morta, comem-te inteira

A mim dão-me de comer
Não para eu engordar,
Mas por mui galante ser
E também saber falar.

     A Galinha, reconhecendo que algumas daquelas afirmações eram verdadeiras, ficou muito triste e pensativa e, por momentos, de bico calado. Porém, de repente, lembrou-se de que o papagaio fora demasiado abrutalhado com ela e, indignada, desabafou:

- Eu só sei cacarejar
É verdade, eu não nego.
Mas desprezo o teu falar,
Torna-te vaidoso e segue.

Tua vaidade te ilude.
Não sabes reconhecer
Que não há qualquer virtude
Em falar sem entender.

Dizer por ouvir dizer, 
Falar à toa, a esmo,
Só te deve entristecer:
Os tolos são assim mesmo!



SUA MAJESTADE E A RAPOSA

     Um certo Leão, que sempre ostentava vaidosamente a sua enorme juba, depois de muito pensar chegou à conclusão de que não era próprio, da sua dignidade de Rei da Selva, andar todos os dias a correr atrás de outros animais para se alimentar.
Então ordenou aos Papagaios - habituados a repetir sempre as mesmas coisas - que anunciassem por toda a floresta que sua majestade estava doente. 
     Os papagaios cumpriram a ordem do Monarca e ao fim de poucos dias não se falava noutra coisa. Todos andavam intrigados quanto à sua doença: seria ela passageira, grave ou mesmo mortal?
     Uns após outros, os animais foram visitar o Leão e desejaram-lhe as melhoras, na esperança de caírem nas boas graças de sua Alteza Real. O Leão sentia-se verdadeiramente radiante com a ideia que tivera e dizia para os seus botões:
     - Sei há muito tempo que sou o mais forte dos animais e agora que sou também o mais inteligente.
E sempre atento, o Leão reparou que só a raposa não o tinha ido visitar pelo que resolveu mandar um dos papagaios perguntar-lhe se ela não sabia se o Rei estava doente.
     O papagaio assim procedeu e a resposta da raposa não se fez esperar:
     - Eu tenho acompanhado com muito interesse a doença de sua majestade e até sei que ela não lhe fez perder o apetite, pois reparei, pelas pegadas à entrada da gruta real, que muitos dos visitante entraram mas não vi sinais de terem saído... 


Retirado do Livro: "Cardoso, Fernando. in Novíssimas Flores para crianças. 9º edição"